27.12.06

Steve


O ar quente da noite de Verão que me batia na cara, à medida que o carro avançava pela estrada do Guincho, não conseguia limpar da minha cabeça a conversa com o inspector. Onde quereria ele chegar? Carvalho não era pessoa para falar de coisas sérias por acaso, e não me parecia que nos quisesse envolver em qualquer tipo de investigação. Só me ocorria a possibilidade de achar que poderíamos estar envolvidos em algo e estar a “atirar o barro à parede”. Ele era o tipo de pessoa que dizia coisas só para observar a reacção. Eu conhecia o método. Usava-o amiúde. A referência a “Steve” também não foi inocente. Ele devia saber qualquer coisa. Tinha vontade de falar com ele mas não devia, de momento, ser visto na sua companhia. Se ele estivesse realmente envolvido em algo devia estar a ser vigiado pela PIDE. Se, logo após a conversa com o Carvalho, fosse visto na sua companhia, isso só serviria para levantar suspeitas na minha direcção.

No dia seguinte telefonar-lhe-ia convidando-o a vir almoçar comigo. Vindo por Sintra não daria nas vistas e poderia ver se tinha “acompanhante” pelo caminho. Por agora só queria chegar a casa, e dar um mergulho na piscina. Sempre gostei de um mergulho nocturno. Mesmo sozinho.

Afinal Steve estava em Londres na altura. Chegaria uns dias depois. Ligou-me passados três dias a dizer que viria no dia seguinte. Fui esperá-lo ao Aeroporto e fomos almoçar ao “Tavares”. Ao ir ao aeroporto mostrava que não tinha nada a esconder o que era sempre bom. Podia ser que até encontrássemos o Sr. Inspector. Podia demonstrar o meu amor à Nação dando-lhe a entender que estava a fazer o que me pedira.

O almoço decorreu cordial. Steve contara-me as novidades de Londres. Tudo aquilo recordava-me uma altura feliz, antes da guerra, em que deixara de viver aquele Portugal e vira o mundo. Ainda lá ia de vez em quando, principalmente para fazer compras. Steve adorou o meu carro novo. Não se viam muitos, mesmo lá, por causa da crise do pós-guerra. Quase toda a produção ia para ao Estados Unidos. Eu sabia o trabalho que tinha tido para arranjar um.

A certa altura decidi abordar o assunto:

- Estive com o Carvalho.

- O nosso amigo Inspector? Como é que ele está?

- Enigmático. Veio com uma conversa sobre húngaros que têm chegado a Portugal sem se saber quem são nem ao que vêm… Da sua conversa achei que poderias saber alguma coisa…

- Eu? Porquê?

- Perguntou-me se tínhamos falado no assunto…

- Não percebo porquê…

- Ok.

O silêncio instalou-se. Já depois do café, Steve voltou à carga:

- O que é que ele te disse?

- Não muito mais do que já te disse. Vais manter-me às escuras ou vais contar-me o que se passa? Pelos vistos vocês têm trabalhado no assunto.

- Pareces muito interessado…

- Sou um bisbilhoteiro. Gosto de assistir a estas coisas como quem vê uma partida de “Golf”. Para isso preciso de saber quem são os jogadores e em que buraco estão. Até porque suspeito que o nosso amigo acha-me a par do assunto. Já que tenho a fama…

- Disseste que ele estava enigmático. Deve ter-te dito alguma coisa…

- Só que havia húngaros e alemães que se tinham juntado aos russos e que podiam estar a entrar cá a coberto do “Nicholas Horty”.

- Para quê?

- Esperava que me contasses… Afinal estamos aqui a desconversar.

- Eles andam à procura de qualquer coisa, ou de alguém. A única coisa que sabemos é que a Embaixada Soviética não está a par do assunto. Só têm instruções para prestar ajuda se ela for solicitada.

- Então o Carvalho sempre tem razão…

- E deve saber mais do que isso. É tudo quanto sei, de momento. Não te metas nisto. O assunto pode queimar.

Voltei para a casa das “Janelas Verdes” com a ideia de que todos sabem mais do que dizem, embora achasse que Steve só queria proteger-me.

2 comentários:

Fúria das Águas disse...

Meu amigo, vim te desejar um ótimo final de ano e que o ano que começa seja palco de todas as tuas realizações.
Um beijo

Fica bem
Furia

Anónimo disse...

Caro Amigo "Ega"
É com alguma inquietação que verifico que o meu Amigo tem andado afastado da sua história virtual que eu venho acompanhando com atenção.
Afinal parece que não foi apenas Lisboa que parou no tempo ... a inspiração também???????
Atento a novos desenrolares subscrevo-me com um grande abraço

Vasco da Gama