A tarde passou-se calma mas com uma tensão no ar. Por alguma razão achei que a nossa "amiga" começava a ver a vida com outros olhos. Pelo menos a mim. Tive a sensação que aquele assunto não ficaria por ali.
A Marginal estava linda nesse final de tarde. Fui desfiando pensamentos e quando me apercebi estava a chegar a Lisboa. Ia jantar com "Steve" a convite do próprio. Ligara-me no dia anterior e parecia ter algo para falar comigo.
O Hotel "Avis" tinha sido o centro da placa giratória em que Lisboa se tornara durante a guerra. Por alguma razão, quando ele tinha algum assunto mais sério gostava de lá ir. Acho que o fazia incorporar os agentes que durante a guerra frequentavam aqueles salões. Não tendo a "vida" de outros tempos, continuava majestático e com uma óptima cozinha. Steve estava à minha espera quando cheguei. Depois dos cumprimentos habituais pedi um Gin.
Steve estava bem disposto mas parecia apreensivo.
- Sabes que andas a ser vigiado?
- ...
- Hoje tiveste companhia durante toda a tarde. Não deste por isso?
- Quem? A "PIDE"?
- Sim...
- Pelo visto não foram só eles...
- Estou preocupado contigo!...
- Deviam andar a vigiar a mulher do "chefe". Ela esteve hoje em casa da "Eva".
- ...
- São boas amigas. Eu estava lá quando ela chegou. Passou o tempo a tentar saber mais a meu respeito.
- Eles seguiram-te a tí, não a ela. Pelo menos no regresso. Provavelmente estão a vigiar a casa de "Eva".
- Para quê?
- Lembras-te do assunto que o "Carvalho" abordou contigo? Acho que tem algo a ver com isso. Ele suspeita de que ela está envolvida... ou vai estar.
- Vais contar-me de uma vez o que se passa?
- Já sei um pouco mais sobre o assunto. Vou contar-te porque podemos precisar da tua ajuda.
- Nada como um bom motivo...
- Normalmente o que não sabes não te pode afectar. Não é o caso. O teu relacionamento com a hungara pode envolver-te sem dares por isso. Acho que, para tua protecção deves estar a par.
- A tua preocupação comove-me. Há uns dias não sabias de nada...
- Tive que contactar Londres para conseguir autorização.
- A tua confiança em mim deixa-me...
- Não se trata de confiança. Para te envolver precisava de autorização. Vamos jantar?
A sala de jantar estava quase deserta excepto um casal que jantava calmamente num recanto discreto. Reconheci um banqueiro da nossa praça mas a esposa tinha rejuvenescido uns vinte anos desde a última vez que a vira. A minha discrição fez-me ignorá-lo.
- Tens noção da quase paranóia dos nazis por reliquias antigas?
- Vagamente...
- Durante a segunda guerra andaram à procura de reliquias em quase todo o mundo. "Himmler" era um louco por "reliquias" que supostamente dariam poder a quem as tivesse. a "Arca da Aliança", a lança que trespassou "Cristo", o "Graal", etc. Para além de tudo o que provasse a influência "ariana" nas grandes civilizações. Chegou a defender que a Grécia antiga descendia de tribos arianas.
- ...
- Desde sempre houve alguém a quem se atribuiram a posse desse tipo de "reliquias". A "Ordem do Templo". Quando a "Ordem" foi dissolvida nada disso foi encontrado. Há quem defenda que a haver alguma coisa estará em Inglaterra, para onde uma parte dos cavaleiros fugiu á captura. No entanto, um pormenor interessante tem sido descurado e não deixou de chamar a atenção dos nossos amigos.
- Continua. É um tema interessante.
- Os "Templários" sempre tiveram grandes ligações a Portugal. Já cá estavam quando o País se tornou independente, ajudaram no processo e na própria "reconquista". Desde sempre os seus "mestres" foram pessoas de confiança dos reis portugueses. Aquando da extinção da ordem, o vosso rei "Dinis", concedeu-lhes abrigo, enfrentando o Papado, protegeu os seus bens, acabando por formar uma outra ordem para os integrar: A "Ordem de Cristo" que entre outras coisas, foi a principal impulsionadora da expanção marítima portuguesa.
- Lição de história para o jantar...
- A verdade é que os nossos amigos alemães consideraram, não sei com que bases, que algo do que procuravam podia estar por aqui.
- Há algum nexo nisso? Qual o interesse real deles?
- Supostamente algumas dessas reliquias tornálos-iam invencíveis...
- Os americanos e os russos já o fizeram: Chama-se "Bomba Atómica".
- Não sejas sarcástico! Estou a falar de artefactos que a humanidade procura há séculos, e que podem muito bem estar aqui.
- É disso que andam à procura?
- Quando a guerra acabou estava uma equipa a fazer escavações em "Tomar". Não se sabe o que encontraram. Sabe-se que desapareceram tal como muitos agentes alemães e que os sitios foram "entulhados".
- O que se passa na realidade?
- Anda muita gente à procura de um homem, supostamente o lider dessa equipa. "Franz Gerhart".
- Não me digas que é o centro desta agitação toda.
- Exactamente. Todos querem saber, não só o que ele encontrou mas onde está, principalmente agora que se fala que está a tentar fugir.
- Para onde?
- Não se sabe. Só se sabe que essa pista pode levar a criminosos nazis procurados.
- Que tenho eu a ver com isso?
- Nada. Mas estando a par sempre podes abrir mais os olhos... nunca se sabe.
O "Carvalho" tem razão em relação aos "hungaros". Pensamos que estão cá pelo mesmo. Simplesmente a linha soviética não lhes "permite" interessarem-se publicamente por estes assuntos. É por isso que estão a trabalhar fora da embaixada.
- Estou devidamente elucidado. O que é que posso dizer ao "Carvalho"? Só para o descansar?
- Não há nada desta conversa que ele não saiba. Podes dizer-lhe que anda tudo à procura de um nazi.
- Assim trabalho "a bem da Nação" e não me queimo muito. Gosto.
O resto do jantar decorreu calmamente, embora, já um pouco alerta, tenha reparado numa presença estranha no bar, a ler o jornal. Steve sorriu mas não fez comentários.